quinta-feira , 28 de março de 2024
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O que é ciência aberta e quais os entraves para ela?

A publicação de pesquisas em revistas e periódicos acadêmicos é um dos pilares da ciência atual. A lógica é que esses veículos garantem que o estudo em questão foi revisado por outros cientistas e permitem que os resultados alcancem mais pesquisadores.

Já faz alguns anos, contudo, que esse sistema lida com contradições. Periódicos geridos por editoras tradicionais são criticados por cobrarem assinaturas caras às instituições de ensino, tornando o acesso aos estudos mais restrito. A internet fez com que revistas digitais se multiplicassem, mas não tornou o processo mais acessível – pelo contrário, os pesquisadores começaram a ter que pagar para ver seus trabalhos publicados.

Em paralelo, alguns cientistas reivindicam meios alternativos para publicar suas pesquisas, sem custos para quem publica ou lê o estudo. O movimento que incorpora essa e outras práticas de democratização do conhecimento é chamado de open science, ou, em português, ciência aberta.

 

O que é ciência aberta?

A expressão ciência aberta é um termo guarda-chuva para um conjunto de ações que têm o objetivo comum de tornar o conhecimento científico mais acessível. Além de defender mudanças na publicação de estudos, passa também pelo compartilhamento de dados e aprimoramento da comunicação da comunidade científica com o resto da sociedade.

A Unesco, agência das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, considera que práticas de ciência aberta são importantes porque, entre outros pontos, ajudam a combater a fragmentação do conhecimento, que deixa de ficar concentrado em núcleos e passa a circular mais e ser construído coletivamente.

Em 2021, a Unesco redigiu um termo que oferece recomendações para políticas e práticas de ciência aberta. O documento integra outros tratados internacionais de pesquisa científica que reconhecem o acesso aberto ao conhecimento desde a década de 1990, como a Declaração da Unesco/CIC sobre a Ciência e o Uso do Conhecimento Científico, de 1999, e a Declaração de Bethesda sobre Publicação de Acesso Aberto, de 2003.

Sua publicação foi feita a fim de se criar um marco internacional sobre as práticas de ciência aberta e estabelecer aos países membros das Nações Unidas recomendações para a sua promoção. Uma dessas recomendações é o compartilhamento dos dados coletados para que outros pesquisadores possam usá-los em suas pesquisas. Isso inclui não só disponibilizá-los de forma gratuita, mas deixá-los organizados e legíveis para que eles possam ser consultados e reutilizados no futuro.

O compartilhamento de dados ganhou grande importância durante a pandemia de covid-19. Desde os primeiros casos da doença, a OMS (Organização Mundial de Saúde) defendeu a publicação de dados de pesquisa como uma estratégia para o combate da patologia.

Em 2021, após a descoberta da variante Ômicron, a organização chegou a desenvolver uma plataforma exclusiva para a divulgação de informações sobre a covid-19. Nela, os cientistas e médicos podiam depositar o que haviam acumulado sobre os estudos da doença e usar os dados de pesquisadores de outros países para construir seus trabalhos.

Ainda que muitas pesquisas tenham sido desenvolvidas de forma colaborativa, problemas como sistemas de dados incompatíveis ainda tornam o compartilhamento mais complexo e demorado.

Em 2022, o periódico The Lancet realizou uma série que uniu análises dos problemas enfrentados no compartilhamento de dados durante a pandemia, propondo estratégias para tornar o sistema mais eficiente no futuro. Em uma dessas análises, por exemplo, pesquisadores defendem a padronização dos relatórios de dados de saúde dos estados dos EUA, uma vez que, durante a pandemia, o fato desses dados serem publicados com padrões distintos dificultou o controle nacional da doença.

 

Ciência sem paywall

Outro exemplo de prática de ciência aberta é a publicação de estudos com acesso livre, em plataformas que não restrinjam a leitura do trabalho. Isso pode ser uma postura adotada pelo pesquisador, que opta por publicar seus trabalhos em repositórios mantidos por instituições governamentais ou sem fins lucrativos, ou pelo periódico, que disponibiliza algumas pesquisas para acesso livre em plataformas virtuais.

Há também plataformas que disponibilizam gratuitamente artigos científicos pagos, em boicote ao modelo de assinatura. O mais famoso é o Sci-Hub, que é acusado de violar os direitos autorais das editoras e responde a processos de pirataria. Sua popularidade tem motivado mudanças no meio científico. Um estudo publicado no periódico Scientometrics, em 2022, sugere que artigos disponíveis para download no Sci-Hub ganham mais visibilidade que se estivessem somente em periódicos tradicionais, recebendo quase o dobro de citações por estarem na plataforma.

O custo para ter um artigo publicado em uma revista científica pode aparecer em forma de tarifa para submeter a pesquisa para avaliação, cota para se manter filiado a um periódico, taxa de publicação e, no caso das revistas físicas, participação no custo de impressão. Em média, o valor varia de acordo com o funcionamento da revista e a relação do pesquisador com o periódico, custando de U$200, para revistas menos reconhecidas, a U$1.000, para aquelas com mais alcance.

As revistas tradicionais também aderiram a esse novo sistema e aproveitam do seu prestígio para cobrar taxas muito acima do valor de mercado para publicar artigos e disponibilizá-los em acesso livre. A Revista Nature, por exemplo, divulgou em 2020 que passaria a oferecer este serviço para os pesquisadores que estivessem dispostos a pagar US$11.390 por artigo publicado.

 

Modelo de assinaturas

– Modelo das revistas impressas que é reproduzido em algumas plataformas virtuais, sobretudo das revistas tradicionais

– Em tese, pesquisador não precisa pagar pra publicar

– A revisão é feita por pesquisadores voluntários e arbitrada pelos editores dos periódicos

– Acesso é fechado e só quem assina a revista lê o estudo

– O custo da publicação é concentrado nas instituições de ensino ou programas públicos, que subsidiam as assinaturas

 

Modelo open access em periódicos privados

– Modelo que surgiu após o advento da internet e é comum nos periódicos exclusivamente virtuais. Está sendo adotado aos poucos pelas revistas tradicionais de prestígio

– Pesquisador precisa pagar pra publicar

– A revisão é feita por pesquisadores voluntários e arbitrada pelos editores dos periódicos

– Acesso é aberto e todos podem ler o estudo

– O custo da publicação é concentrado no pesquisador. Em alguns casos, as bolsas de pesquisa arcam com a publicação.

 

Repositórios preprint

– Plataformas totalmente gratuitas onde os artigos científicos são disponibilizados antes da publicação

– Pesquisador não precisa pagar pra publicar

– Não é feita a revisão por pares

– Acesso é aberto e todos podem ler o estudo

 

Modelo 100% aberto

– Acontece em plataformas sem fins lucrativos

– Pesquisador não precisa pagar pra publicar

– A revisão é feita por pesquisadores voluntários e acontece em um sistema chamado open per review, ou revisão de pares aberta

– Acesso é aberto e todos podem ler o estudo

– O custo da publicação é concentrado na instituição financiadora do projeto, que normalmente é pública e precisa arcar com a infraestrutura da plataforma

Defensores deste modelo entendem que o custo de manutenção das plataformas é baixo e representa um investimento frente ao cobrado pelas editoras nos modelos de assinatura e open acess.

 

Plataformas sem fins lucrativos

Os periódicos geridos com verba pública ou sem fins lucrativos são uma solução mais definitiva para resolver o problema das taxas impostas pelas editoras.

Os críticos desse modelo apontam para a revisão como um dos desafios para que os periódicos públicos e os servidores preprints se tornem mais populares. Isso porque, ainda que o trabalho de revisão em plataformas pagas seja majoritariamente voluntário, ele é procurado pelo prestígio acadêmico das revistas de renome e por ser arbitrado por editores, o que garante, entre outras coisas, o anonimato do revisor.

O SciELO (Scientific Electronic Library) funciona como uma biblioteca digital gratuita de pesquisas publicadas em diferentes periódicos do Brasil e do mundo. Sua operação é feita com um modelo de cooperação, e seus custos são subsidiados por instituições públicas de pesquisa como o Cnpq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e a Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo).

Plataformas como o SciELO se tornaram viáveis após o surgimento da internet, que reduziu significativamente o custo de publicação em relação às revistas impressas.

A contradição apontada pela comunidade envolvida com a ciência aberta é que, mesmo com o surgimento da internet e a existência das plataformas totalmente abertas, as revistas científicas geridas por conglomerados editoriais continuam exercendo grande influência nas publicações científicas.

 

Sobre Leandro Rocha

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