sexta-feira , 19 de abril de 2024
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Xenotransplante: aceitação com órgão não humano é aumentada com o esclarecimento do paciente

A escassez de órgãos humanos disponíveis para transplante resulta em longas filas de espera para os candidatos à cirurgia. Enquanto isso, infelizmente, muitos pacientes acabam morrendo no aguardo de um doador. A possibilidade de um xenotransplante – utilizando órgãos ou tecidos derivados de outras espécies de animais – já é uma realidade aplicada com êxito na correção de cardiopatias, com uso de válvulas porcinas e bovinas. Com o desenvolvimento dessa tecnologia, espera-se viabilizar o xenotransplante de órgãos sólidos, como o fígado, reduzindo o tempo de espera e, consequentemente, a mortalidade desse período (JASANOFF, 2018).

Porém, ao se falar em um transplante entre espécies distintas, além dos aspectos clínicos, é preciso considerar os impactos sociais, subjetivos e culturais do procedimento. A relevância dos elementos psicológicos na aceitação ou rejeição de um órgão não humano já havia sido apontada em estudo de Rubaltelli et al. (2008).

Assim, em busca de conhecer a opinião dos pacientes sobre o xenotransplante, uma equipe de pesquisadores de São José do Rio Preto, no interior do estado de São Paulo, conduziu um estudo observacional transversal publicado no Brazilian Journal of Transplantation (v. 25, n. 4) sobre os fatores psicossociais envolvidos na aceitação de um órgão provindo de espécie distinta.

Um total de cem pacientes dentre submetidos e candidatos ao transplante hepático – 50 na lista de espera e 50 que já haviam passado pela cirurgia – respondeu objetivamente (sim ou não) a um questionário que abrangeu aspectos como a autoestima, relações sociais e práticas religiosas dos pacientes e a influência desses fatores na opinião formada pelo entrevistado em relação ao xenotransplante.

Foi constatado que a maioria dos pacientes da amostra, englobando ambos os grupos, aceitaria o xenotransplante. Os resultados indicam que a estranheza e a rejeição causada pelo uso de órgãos e de tecidos oriundos de outros animais provêm da falta de informação e compreensão do xenotransplante, e do medo da rejeição fisiológica do órgão.

Durante a evolução do questionário, alguns entrevistados inclusive mudaram sua primeira opinião, ao perceberem que ao optar pela recepção do transplante evitariam arriscar a vida enquanto aguardam na lista de espera. Essa apuração serve para orientar a equipe multidisciplinar de transplantes sobre a necessidade de esclarecer o paciente sobre o funcionamento e os benefícios desse método terapêutico.

O período de aplicação dos questionários foi de agosto de 2019 a março de 2020, e os dados gerados foram comparados entre os grupos de acordo com sua natureza por meio de testes (paramétricos ou não) e testes de associação. A taxa de rejeição foi ligeiramente maior entre os pacientes da lista de espera, no entanto a diferença foi muito pequena para que os autores pudessem afirmar quaisquer conclusões, embora tenham ponderado sobre a relação daquele resultado com os sintomas e a gravidade manifestada da doença nos candidatos, que seria inferior à dos pacientes que efetivamente já haviam passado pelo transplante.

A influência religiosa destacou-se como uma divergência significativa entre os dois grupos de pacientes, sendo maior entre os que se encontram na lista de espera, e aparecendo como uma contribuição positiva para a aceitação do procedimento. Os entrevistados foram ainda questionados sobre um possível receio de apresentarem mudanças de personalidade ou comportamento após receberem o xeno-órgão, ao que a maioria respondeu negativamente.

Segundo o artigo, não há na literatura em língua inglesa e portuguesa, outra pesquisa que explore as variáveis consideradas no presente estudo. E a descoberta de uma boa aceitação e uma percepção em geral positiva do xenotransplante pelos pacientes transplantados e candidatos é de grande relevância, pois indica a potencial receptividade dessa técnica ainda em desenvolvimento, mas que representa uma grande esperança para pacientes terminais de doenças hepáticas, cuja única opção de tratamento é a substituição do órgão.

Referências

Jasanoff S. Bodies in transition: Ethics in xenotransplantation research. Hastings Cent Rep. 2018;48(Suppl 4):S67-9. https://doi.org/10.1002/hast.960

Rubaltelli E, Burra P, Sartorato V, Canova D, Germani G, Tomat S, et al. Strengthening acceptance for xenotransplantation:The case of attraction effect. Xenotransplantation.2008;15(3):159-63.https://doi.org/10.1111/j.1399-3089.2008.00474.x

Para ler o artigo, acesse:

Pavan CL, Godoy MF, Miyazaki ET, Silva RCMA, Goes CH, Castiglioni L, Silva RF. Influência de Fatores Clínicos e Psicossociais na Aceitação de Órgãos Não Humanos em Transplantes: Xenotransplantes. BJT. 2022.25(04):e0781. https://doi.org/10.53855/bjt.v25i4.481_PT

Links

BJT – Brazilian Journal of Transplantation
https://bjt.emnuvens.com.br/revista

Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto
https://www.famerp.br/

Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo
https://fcmsantacasasp.edu.br/

Hospital de Base de São José do Rio Preto
https://www.hospitaldebase.com.br/

Crédito do texto: Rosa Emilia Moraes, jornalista de ciência em Linceu Editorial, São José dos Campos, SP, Brasil (rosaemiliamoraes@gmail.com)

 

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