Embora com vigor e velocidade ainda não definidos, é esperada uma recuperação nos investimentos em ciência, tecnologia e inovação nos próximos anos que trará novas responsabilidades à comunidade científica e aos formuladores de políticas públicas. O Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), principal instrumento federal de custeio da pesquisa, vem sofrendo desde 2016 bloqueios de recursos sucessivos e vultosos – o Ministério da Economia atribuía os cortes à necessidade de cumprir o teto constitucional de gastos.
O torniquete no financiamento ocorreu na contramão de um notável crescimento na arrecadação do fundo, hoje na casa dos R$ 10 bilhões anuais. Ele é abastecido por percentuais de receitas e impostos de empresas de 14 diferentes segmentos da economia, que compõem os Fundos Setoriais de Ciência e Tecnologia. Segundo análise do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), apenas algo próximo de R$ 1 bilhão em recursos não reembolsáveis do FNDCT foi investido anualmente entre 2019 e 2021 (ver quadro). Em valores atualizados, trata-se do pior patamar de aportes do fundo em projetos científicos e de inovação em instituições de pesquisa e empresas registrado neste século.
Segundo dados do Observatório do Conhecimento, ligado a sindicatos de docentes de universidades federais e estaduais, caiu de R$ 25,3 bilhões, em 2019, para R$ 17,1 bilhões, em 2022, o chamado “orçamento do conhecimento”. A metodologia contempla, por exemplo, gastos e investimentos de universidades federais e recursos de órgãos de fomento à pesquisa, como o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), e a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), agência do Ministério da Educação.
Para a presidente da Academia Brasileira de Ciências, a biomédica Helena Nader, a redução de recursos para projetos de pesquisa, associada ao duradouro congelamento do valor das bolsas federais de mestrado e doutorado, explica em grande medida a redução dos formados. Desde 2013, um bolsista de mestrado do CNPq ou da Capes recebe R$ 1,5 mil mensais e o de doutorado R$ 2,2 mil. “A demanda por formação em pós-graduação diminuiu porque a carreira científica ficou desprestigiada, foi colocada como desnecessária pelo governo. Para que eu vou estudar, investir anos da minha vida, se isso não é considerado relevante para o país?”, analisa Nader, que é pesquisadora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
A economista Fernanda De Negri, coordenadora do Centro de Pesquisa em Ciência, Tecnologia e Sociedade do Ipea, ressalta a necessidade de fazer um diagnóstico preciso sobre a situação dos recursos humanos em áreas estratégicas para o país, tais como tecnologia de informação e energias renováveis. “É preciso avaliar até que ponto dispomos de pesquisadores preparados para atuar em grandes desafios, já que houve uma desaceleração na formação de doutores”, afirma. Vale a mesma lógica, segundo ela, para a infraestrutura de pesquisa: “Não houve em anos recentes editais para atualização de laboratórios de instituições públicas e é provável que vários deles estejam pouco competitivos internacionalmente. Investigamos há pouco tempo a situação dos laboratórios do setor de petróleo e vimos um percentual mais elevado de obsolescência do que em levantamentos anteriores. Será preciso renová-los”.
Embora tenha havido algum alívio nos investimentos federais em 2022, o orçamento federal aprovado para 2023 ainda previa bloqueios superiores a R$ 4 bilhões no FNDCT. Segundo análise feita pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), vários órgãos terão de novo um ano difícil se não receberem socorro. O CNPq, por exemplo, previa aplicar R$ 1 bilhão em bolsas, mesmo patamar do ano passado, mas os recursos para projetos de pesquisa, nos quais os bolsistas de mestrado, doutorado e pós-doutorado deveriam trabalhar, cairiam de simbólicos R$ 35 milhões em 2022 para R$ 28 milhões em 2023. O novo presidente do órgão, o físico Ricardo Galvão, informou que, em conjunto com a Capes, anunciará em breve um reajuste de bolsas da iniciação científica ao pós-doutorado e que utilizará recursos previstos na chamada PEC da Transição, aprovada em dezembro pelo Congresso. Admitiu, contudo, dificuldades para ampliar os investimentos em 2023, já que o orçamento aprovado no Parlamento é restritivo.
Ainda que ocorra logo uma recomposição de recursos e do valor de bolsas, uma recuperação robusta é esperada a partir de 2024, se o teto de gastos for substituído na Constituição por outro mecanismo de contenção do endividamento público. Para o engenheiro Pedro Wongtschowski, que lidera a Mobilização Empresarial para a Inovação (MEI), fórum vinculado à Confederação Nacional da Indústria (CNI) que reúne representantes de mais de 500 empresas, uma agenda de estratégias de curto prazo deveria se basear em quatro frentes. A primeira passa por investir emergencialmente na infraestrutura científica e tecnológica do país a fim de que ela volte a funcionar. “As universidades federais ficaram à míngua e instituições públicas de pesquisa estão desequipadas e com quadros envelhecidos. É preciso restaurar a capacidade delas de cumprir suas missões institucionais”, afirma. Wongtschowski sugere como prioridade o financiamento de iniciativas que estão próximas da conclusão, a exemplo da fonte de luz síncrotron Sirius (ver Pesquisa FAPESP nº 269).
Uma segunda frente, diz o líder da MEI, consiste em estimular as empresas a ampliar seu volume de inovação. “Isso requer aperfeiçoar o financiamento público, aprimorando incentivos fiscais, de modo geral, e da Lei do Bem em particular”, diz, referindo-se à legislação aprovada em 2005, que estabeleceu apoio a empresas que fazem pesquisa e desenvolvimento (P&D). A terceira frente diz respeito ao apoio a empresas de base tecnológica e à cooperação entre universidades e empresas. “A lei de inovação permite que docentes e discentes de instituições públicas se dediquem à criação de empresas de base tecnológica, mas tem sido pouco usada. As startups são uma fonte de conhecimento novo para as grandes empresas, que as adquirem ou se associam a elas para acelerar seus processos de inovação.”
Para o físico Carlos Henrique de Brito Cruz, o momento é propício para repensar o sistema brasileiro de ciência e tecnologia em moldes mais ambiciosos dos que vigoraram no passado. “Não daria para reconstruir melhor do que era antes?”, indagou, em um evento em meados de dezembro que marcou o encerramento das comemorações dos 60 anos da FAPESP. “Seria uma perda de oportunidade discutir apenas como voltar ao que éramos em 2006 ou 2007, em uma espécie de back to the future.” Brito Cruz, que foi diretor científico da FAPESP entre 2005 e 2020 e atualmente é vice-presidente sênior da Elsevier Research Networks, no Reino Unido, lembra que o dinheiro público responde por apenas uma parte, em geral minoritária, do financiamento à ciência dos países e afirmou que é necessário aumentar no Brasil gastos privados em P&D e a presença de pesquisadores atuando dentro das empresas, que é baixa. “A política e a estratégia para ciência, tecnologia e inovação no Brasil são dominadas por uma ideia de que o lugar de fazer a pesquisa é a universidade, a empresa é um local para receber e utilizar o conhecimento e o governo é o patrocinador. Mas nos lugares do mundo que conseguiram organizar a ciência e a tecnologia para benefício da sociedade, das pessoas e da economia, não é desse jeito que se trabalha”, observou em entrevista para o site de Pesquisa FAPESP. “Na pesquisa em computação quântica, empresas como Google, Microsoft e IBM têm um papel tão ou mais importante do que as universidades.”
Na sua avaliação, seria útil discutir o que é necessário fazer para que as empresas se sintam estimuladas a inovar para ganhar dinheiro e conquistar mercados. “A falta de exposição das empresas ao mercado internacional e de sua inserção nas cadeias de valor do mundo desestimula os dispêndios em inovação. A complexidade das regras tributárias também atrapalha”, avalia. “Por que uma empresa vai contratar um pesquisador e fazer um investimento de risco em um produto novo se ela acaba obtendo mais ganhos contratando um advogado tributarista ou um contador que a ajude a lidar com a complexidade da legislação? Várias dessas ideias nem sequer custariam orçamento para o governo. Dependem apenas de empenho e, claro, uma dificuldade política a enfrentar”, afirmou.
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