O artigo publicado no periódico Brazilian Journal of Transplantation em maio de 2024 traz relato do primeiro caso de transplante duplo – fígado e rim – implantado em monobloco, como alternativa cirúrgica em paciente com aterosclerose avançada e calcificação extensa de vasos arteriais. As más condições dos vasos onde convencionalmente é implantado o enxerto renal, provocada por complicações da aterosclerose, foram eficientemente contornadas implantando o fígado e o rim em um monobloco dos dois enxertos no sítio convencional do transplante de fígado.
foto: Jonathan Borba/Pexels
Esta alternativa técnica, executada pouquíssimas vezes no mundo, e apenas no Brasil, é realizada com via de acesso único, sem a necessidade de duas incisões, e tem benefícios potenciais em comparação com a técnica tradicional de transplante de fígado e rim em sítios distintos principalmente por reduzir o tempo de isquemia do enxerto renal.
Os autores destacam, entretanto, pela primeira vez na literatura médica, o potencial ainda inexplorado desta técnica em monobloco como solução eficiente, viabilizando o transplante duplo, em pacientes com desafios anatômicos em decorrência de grave doença vascular arterial ou venosa prévia.
Pacientes com indicação de transplante de fígado com doença renal terminal apresentam sobrevida superior se submetidos à substituição de ambos os órgãos, quando comparados ao transplante de fígado ou de rim isolados, de modo que soluções que viabilizem o implante de ambos os enxertos são promissoras. O artigo foi publicado por Luiz Fernando Veloso e colaboradores, no volume 27 (2024) do periódico oficial da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO).
Segundo os pesquisadores, o transplante duplo fígado-rim realizado por duas incisões é frequente, foi realizado pela primeira vez há quatro décadas, e tem papel consolidado na literatura médica. Alguns autores brasileiros realizaram, recentemente, uma pequena série de casos com o uso de apenas uma via de acesso, implantando os dois órgãos em monobloco, com a finalidade de reduzir o tempo de isquemia do rim e o tempo total de cirurgia.
No entanto, Veloso e colaboradores descrevem o primeiro caso em que esse procedimento foi realizado como alternativa técnica para contornar as más condições dos vasos para o transplante renal. Aterosclerose avançada dos vasos ilíacos é um achado frequente em pacientes que necessitam transplantes fígado-rim e em alguns casos pode tornar o implante renal na posição ilíaca convencional impossível.
As informações foram obtidas pelos autores por meio de revisão do prontuário, entrevista com a paciente, registro de imagem dos métodos diagnósticos aos quais a paciente foi submetida e revisão da literatura.
Em decorrência do pequeno número de três casos descritos na literatura e da ausência de evidência de seus efeitos em médio e longo prazos, no entanto, esta alternativa ainda deve ser considerada não consolidada, sendo necessários estudos para comparar os desfechos com a técnica clássica. Este artigo amplia as condições em que esta técnica pode apresentar benefícios em comparação à técnica convencional.
A paciente receptora, do sexo feminino, tinha 64 anos no momento da cirurgia, portadora de cirrose descompensada (abstêmica há 6 anos) e tabagista e inscrita em lista de espera para esta modalidade dupla de transplante. O enxerto foi captado em monobloco do fígado e do rim direito do doador do sexo masculino, de 38 anos, usuário de crack e álcool, com morte encefálica secundária a acidente vascular hemorrágico. Os órgãos demonstraram evidência de excelente função imediata, conforme os resultados dos exames realizados desde a cirurgia até o presente mês de agosto.
Sobre o transplante duplo fígado-rim
O TDFR está indicado em pacientes com disfunção renal associada à doença hepática terminal, sendo alternativa superior ao transplante de fígado isolado tanto em resultados imediatos quanto no desfecho em longo prazo.
O primeiro transplante duplo combinando fígado e rim foi realizado em 1983, sendo hoje um procedimento utilizado em 1 a 8% dos pacientes transplantados. Pacientes com hepatopatia crônica que apresentam disfunção renal têm maior probabilidade de óbito enquanto aguardam o transplante de fígado. A frequência de transplantes duplos fígado-rim cresceu após a introdução da gravidade e risco de morte sem o transplante como critério de quem deverá receber primeiro os enxertos hepáticos.
Referências
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Para ler o artigo, acesse:
https://bjt.emnuvens.com.br/revista/article/view/597
Como citar:
Veloso, L. F.; Angeli, B. D. M.; Veloso, J. P. D.; Veloso, M. D. (2024). Transplante fígado-rim em monobloco: solução técnica para sítio ilíaco com aterosclerose avançada. Brazilian Journal of Transplantation, v.27, 2024. https://doi.org/10.53855/bjt.v27i1.597_PORT
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