sábado , 27 de abril de 2024
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Análise de milhões de artigos e patentes sugere que a ciência está ficando menos disruptiva

A ciência está esgotando sua capacidade de transformar a sociedade? Esse receio, mesmo sem ser formulado em voz alta, permeou a repercussão de um artigo publicado em janeiro na revista Nature por três cientistas sociais dos Estados Unidos. Erin Leahey, da Escola de Sociologia da Universidade do Arizona, Russell Funk e seu orientando de doutorado, Michael Park, ambos da Escola de Administração Carlson, da Universidade de Minnesota, analisaram mais de 45 milhões de artigos publicados entre 1945 e 2010, e 3,9 milhões de patentes depositadas nos Estados Unidos entre 1976 e 2010, e concluíram que, com o decorrer do tempo, se tornou mais difícil para os cientistas obter descobertas originais a ponto de criar um novo campo do conhecimento ou reorientar o rumo de um tema de pesquisa existente.

O trio usou uma métrica, chamada de índice CD, em que os valores podem variar de -1, para trabalhos menos disruptivos, a +1, para os mais disruptivos, e mostrou que a média do desempenho medido no indicador caiu gradativamente (ver gráfico). A queda acumulada nos períodos analisados foi de mais de 90% para artigos e mais de 78% para patentes. É verdade que o número absoluto de artigos e patentes considerados transformadores ficou em um mesmo patamar ao longo do tempo. Mas como o volume total de trabalhos e de aplicações cresceu de forma exponencial – estima-se que, atualmente, cerca de 3 mil artigos sejam publicados por dia –, a participação relativa da ciência dita disruptiva na contribuição global dos pesquisadores perdeu fôlego, em uma evidência para os autores do trabalho de que o formidável esforço empreendido para produzir conhecimento rende dividendos mais magros do que os investimentos projetavam.

O trabalho divide a ciência inovadora em duas categorias. A primeira, apontada como disruptiva, caracteriza-se por “perturbar o conhecimento existente”, impulsionando a ciência e a tecnologia em novas direções, de acordo com o artigo publicado na Nature. A segunda, definida como consolidadora, melhora “os fluxos de conhecimento existentes e, portanto, consolida o status quo”.

Um dos casos de ciência disruptiva mencionados no trabalho é amplamente conhecido: a descoberta da estrutura de dupla hélice do DNA, apresentada em um artigo da revista Nature em 1953 pelo inglês Francis Crick e o norte-americano James Watson (que ganhariam o Nobel de Medicina ou Fisiologia nove anos depois). Já outros exemplos levantaram controvérsia. O trabalho dos cientistas sociais comparou seis contribuições à ciência capazes de ilustrar fases do espectro que vai do consolidador ao disruptivo. Uma patente de 1983 ficou na posição mais elevada na escala. De autoria de Richard Axel, da Universidade Columbia, e dois colaboradores, Saul Silverstein e Michael Wigler, a descoberta estabeleceu uma maneira eficiente de inserir DNA em células de mamíferos. Já na posição mais baixa, como exemplo de ciência consolidadora, figura um artigo de 1970 do microbiologista David Baltimore, à época no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), sobre a descoberta da transcriptase reversa, enzima que catalisa a formação de DNA a partir de um modelo de RNA.

Na avaliação de Paulo Artaxo, do Instituto de Física da USP, o modo de fazer ciência mudou radicalmente nas últimas décadas. “Há 100 anos, a ciência era realizada em pouquíssimos laboratórios no mundo desenvolvido. Hoje, está disseminada em 200 países. A democratização da ciência é algo muito bom, no sentido de que milhares ou milhões de pesquisadores hoje fazem ciência”, afirma. Segundo ele, isso gerou efeitos colaterais. “Ninguém hoje consegue acompanhar os milhares de papers publicados a cada dia. Só conseguimos olhar os de maior visibilidade. Há hoje uma indústria de publicações que ganha muito dinheiro com essa forma de fazer ciência. Aparecem centenas de novas revistas a cada mês. É natural que o conteúdo de novidade dos artigos seja mais limitado do que era antigamente”, afirma Artaxo. “De todo modo, eu não diria que a ciência disruptiva caiu e sim que o bolo da produção científica cresceu.”

Outra possibilidade é que o investimento em linhas de investigação na fronteira do conhecimento possa estar aquém do necessário. “Em geral, os pesquisadores não querem correr o risco de se dedicar a uma linha de investigação muito inovadora e de resultados de longo prazo, pois não podem ficar muito tempo sem publicar artigos. Isso vai prejudicá-los em contratações e promoções”, afirma Menezes Filho.

Não é impossível que o estoque de ideias originais esteja diminuindo. De todo modo, soa como contrassenso afirmar que a ciência esteja perdendo a capacidade de mudar a sociedade, seja por meio de projetos disruptivos ou consolidadores. Eckhardt, da Bayer, e Church, de Harvard, enumeraram no artigo na Stat grandes promessas no horizonte como imunoterapias contra o câncer, avanços na edição de genomas, projetos de colonização de planetas e terapias de reversão do envelhecimento.

Artigo científico

PARK, M. et al. Papers and patents are becoming less disruptive over time. Nature. v. 613, p. 138-44. 5 jan. 2023.

 

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